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Quaresma: um tempo propício à revisão de vida

Durante as últimas semanas, tivemos a oportunidade de aprofundar a espiritualidade, enquanto caminho de cuidado interior. Isto porque a Igreja nos convidou a mergulhar no mistério de Deus, vivenciando o tempo da Quaresma, que se inicia a cada ano na Quarta-feira de Cinzas e se prolonga em seis semanas, até que iniciemos o Tríduo Pascal (os três dias que antecedem o Domingo de Páscoa e que são repletos de experiências muito significativas). Ao longo do ano, nossa “Mãe”, Igreja, divide seu tempo em momentos diferentes, chamados Tempos Litúrgicos. Através deles, somos levados a refletir certos aspectos da vida do Cristo e da aliança que Deus faz com a humanidade.

 

Assim como acontece nos tempos – fases – da vida, a cada tempo litúrgico, há cores diferentes, ornamentos, cantos próprios, orações propícias a nos indicar sua intenção que nos favorecem a encontrar a mensagem e compreender a que direção o Espírito pode nos mover. O ano litúrgico se divide em diferentes tempos para animar a vida da Igreja e, com isso, produzir diferentes sentidos a partir das celebrações. Também somos assim ao longo da vida, não é mesmo? Há tempo de muito crescimento, agitações, transformações, e, em outros momentos, a vida silencia, parece se lentificar, porém sem perder seu dinamismo!

 

Dessa forma, o tempo quaresmal, que se encerrará em poucos dias, convidou cada um de nós a um certo recolhimento. Não àquele silêncio revestido da tristeza de quem foi calado, mas, sim, do tempo repleto de esperança. Tempo em que nos reservamos para as reflexões sobre nossa própria existência, para a partir de uma boa revisão de vida, escolhermos a ressurreição e uma caminhada de vida nova, tal qual o Cristo. Gosto de pensar nesse tempo como um terreno, já bastante desgastado, quase árido. Já produziu frutos, mas precisa de um cuidado especial para que “o jardineiro fiel” possa efetuar nova semeadura.

 

Gosto também de pensar em Deus fazendo a semeadura no terreno de meu coração, cuidando com carinho da aridez que aqui Ele encontra. E no silêncio do tempo quaresmal, quando a oração é aumentada, Ele me fala sobre as plantas que preciso remover, o modo como tenho tratado suas sementes, o tempo que gasto com tantas outras coisas, sem me importar o suficiente com os cuidados de que esse terreno tanto necessita. Assim, entre as revisões e as descobertas, a areia que passou pela ampulheta da minha vida pode ser projetada à minha frente, formando imagens do último ano, de modo que eu me reposicione.

Tanto mais consigo me dedicar à espiritualidade nessas seis semanas, preenchidas com os tons de violeta, lembrando um entardecer de um tempo seco, mais eu me preparo para o nascer do Sol que virá com a Páscoa. Isso significa que o tempo de espera é ativo, me mobiliza a alguma mudança, a algum incômodo que costuma me deslocar para que eu me abra ao movimento da nova fase. Muito mais do que um conjunto de símbolos específicos, crenças e pedidos penitentes, a Quaresma é o tempo em que me encontro com o sagrado para me reencontrar comigo mesma e, por conseguinte, com meus irmãos. E por ser o ano litúrgico um tempo cíclico, quando esse movimento é sobressaltado por qualquer outro movimento que o impede de ser fecundo, Deus me convida a um outro ciclo, em outro momento, dando outras e novas oportunidades de descortinar a espera e semear novas sementes. Sempre à espera de um novo raiar de Sol!

 

Por Raphaela Souza dos Santos

Assessora na Formação Cristã