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O vitral da Capela Santo Inácio: a religião e seus símbolos

Professora Maiara Miguel reflete sobre um dos mais famosos vitrais de Juiz de Fora, localizado dentro do Jesuítas exaltando símbolos religiosos 

 

 

Um espaço muito importante para a comunidade educativa do Colégio dos Jesuítas é a Capela Santo Inácio. Esse ambiente privilegiado para momentos de reflexão e experiência religiosa integra a nossa rotina, seja no encarar de sua construção ao chegar ao Colégio pelo portão da Av. Presidente Itamar Franco; seja nos momentos de espiritualidade promovidos pela Formação Cristã, como as catequeses, missas e reuniões.

 

Esse espaço presente em nossa rotina, o qual, por vezes, passa despercebido, é privilegiado também pela história narrada em seu vitral. Observar tal história e sua importância foi o objetivo e o desafio das turmas do 1º ano do Ensino Médio Matutino e Integral. Durante as aulas de Ensino Religioso, estudamos a importância dos símbolos religiosos para a religião e percebemos como aqueles presentes na Capela e em seu vitral narram uma história que, por sinal, enriquece a experiência religiosa da comunidade que a frequenta.

 

Para esse estudo, contamos com o carinhoso auxílio do querido Pe. Cabada, que, no ano de 2022, esteve conosco, na Capela, conduzindo as aulas e narrando a história desse vitral. Em 2023, essa arte passou a ser reproduzida pela professora que escreve esse relato apresentando seus agradecimentos e reconhecendo a importância do Pe. Cabada à nossa comunidade.

 

Os símbolos religiosos carregam uma polissemia que remete aos indivíduos lembranças, memórias, sensações e experiências as quais vão muito além do elemento objetivo que parece ser ali representado. Um exemplo é o peixe, que pode ser compreendido como um ser que cumpre uma função na natureza, mas que, para a tradição cristã-católica, alude aos primeiros cristãos e ao momento de partilha dos pães e peixes por Jesus Cristo (Mc 6, 30-44; Mt 14, 13-21). O rememorar dos primeiros cristãos e do milagre de Jesus é o sentido que vai para além da função biológica do animal peixe. Os símbolos possuem muitos sentidos dentro de seu respectivo contexto social e histórico e dão sentido às pessoas e às construções humanas, a saber: a religião. Não existe religião sem símbolo. A religião é carregada de sentidos e significados os quais possibilitam ao fiel sentir, experienciar, lembrar e conduzir sua vida no dia a dia.

 

Durante a Idade Média, a arte dos vitrais encontra espaço justamente para promover essa experiência estética e religiosa, fazendo com que a luz refletida no mosaico de vidro, formando símbolos e compondo uma história, possibilitasse a experiência religiosa. O princípio orientador da arte dos vitrais pode ser compreendido pelo querer fazer visível o mistério, o divino, uma vez que “[…] tudo o que é exposto pela luz torna-se visível, pois a luz torna visível todas as coisas” (Ef 5,13). Isto é, pelos mosaicos de vidro que compõem símbolos e uma narrativa, o mistério divino se faz visível aos olhos de quem os admira. Além disso, a refração da luz enfatiza momentos distintos desse mistério contemplado e experienciado pelos sentidos.

 

O especial e difuso efeito de luz observado nas Igrejas Medievais se faz presente ainda hoje porque o mistério ali revelado enriquece a experiência de quem o contempla. A Capela Santo Inácio é um exemplo de como esse princípio orientador ressalta a experiência de quem vive o rito religioso de dentro: contemplar o mistério que se revela na luz, na arte, nos símbolos religiosos e a narrativa ali presente.

 

No caso da Capela Santo Inácio, temos uma iconografia capaz de rememorar que o mistério se manifesta na terra, na comunidade. As cores azul, branco, marrom e vermelho são representações dos quatro elementos da natureza: água, ar, terra e fogo, os quais estão interligados com aspectos divinos: essência, santidade (azul, água); ação do Espírito Santo, transcendência (branco, ar); vida em harmonia, paixão, justiça (vermelho, fogo); matéria, natureza, instabilidade (marrom, terra).

 

A interação dessas cores nos mosaicos narra dois momentos distintos e complementares: a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e a história de Santo Inácio.

 

Podemos perceber a Santíssima Trindade pela sarça ardente rememorando o momento do Antigo Testamento da Bíblia no qual o Pai se manifesta, através de um fogo que não se consumia, a Moisés (Ex 3). Vemos o Filho como o Protagonista da Salvação representado pelo símbolo do peixe e o relato eucarístico pela patena e a cruz no centro. Ao lado, temos o Espírito Santo representado pela pomba: “o espírito paira sobre as águas” (Gn 1,2). Segundo o Pe. Cabada, “todo o espaço do vitral, entrecortado de formas e faixas, convida o olhar a um movimento entre rupturas e continuidade – a Igreja na sua missão – romper com o pecado e prosseguir na graça”; nesse sentido, fazendo a transição do Antigo ao Novo Testamento, nesse processo de rupturas e continuidade que se manifesta no altar.

 

Como já citado, o peixe é um símbolo muito importante ao catolicismo porque, de um lado, rememora Jesus como responsável pelo milagre dos pães e peixes, como Aquele que deu de comer ao seu povo; de outro lado, o peixe, historicamente, era o símbolo que os primeiros cristãos usavam para se identificar. No vitral, ao fundo, vemos um gigante peixe abraçando os três membros da Santíssima Trindade: O Pai, O Filho e o Espírito Santo. Assim como vemos a inscrição ΙΧΘΥΣ, que significa “peixe” no grego antigo, além disso, as letras formam um acróstico com o seguinte significado: “Jesus (Ι) Cristo (Χ), Deus (Θ), Filho (Υ), Salvador (Σ)”.

 

Ao fundo da Capela, podemos vislumbrar momentos da história de vida de Santo Inácio de Loyola e da Companhia de Jesus. É possível visualizar Santo Inácio diante de Santa Imaculada Conceição, inspirado pela sua aparição a escrever os seus exercícios espirituais. Ao lado de Santo Inácio, vemos a inscrição Iñigo, seu nome de batismo antes de decidir pela vida na evangelização. Ao lado da Santa Imaculada Conceição, temos o estandarte da Companhia de Jesus e, do outro lado, as letras AMDG, iniciais da frase latina “Ad Maiorem Dei Gloriam”, a qual remonta ao lema da Companhia de Jesus: “Para Maior Glória de Deus”.

 

O vitral da Capela Santo Inácio possui uma riquíssima história divina, sempre visível aos olhos dos fiéis que ali se reúnem. Essa é a única capela com 360º de vitrais contínuos, e o seu conjunto arquitetônico integra um espaço com a densidade do concreto e a leveza das texturas e cores do vitral. Assim se apresenta mais um motivo para que nós, comunidade educativa, possamos estudar esse privilegiado espaço do nosso Colégio.

 

Quando conseguimos propor um estudo que vai além da teoria, é isto o que acontece: os estudantes passam a ser protagonistas de um processo de aprendizagem mediado por incentivos que o fazem apreender os conteúdos abstratos e vê-los na realidade concreta. Com esse protagonismo, foi possível observar que a experiência religiosa transforma quem a vive e que o apreender do mistério, do divino, pode vir através dos símbolos. Por isso, as mais diversas tradições religiosas os utilizam de forma a rememorar seus princípios, dogmas, valores e histórias. Aqui vimos a história de Santo Inácio e a Santíssima Trindade, ideada pelo artista e jesuíta Pe. José Fernandes, compondo não só o mistério, mas o integrando ao denso concreto da nossa realidade, onde o Divino se manifesta.

Alguns agradecimentos

Aproveito o momento para prestar uma homenagem ao Pe. Cabada, sem o qual esse estudo não poderia ser realizado junto aos estudantes. Esse registro é uma forma de manter viva, em nossas práticas, essa presença que nos enriquece acadêmica e espiritualmente. Que Deus o abençoe e o conserve para que logo retorne a Juiz de Fora e esteja mais perto de nós.
Além disso, agradeço à equipe da Formação Cristã do Colégio dos Jesuítas por possibilitar a visita de todas as turmas do 1º ano do Ensino Médio, entre os dias 30 e 31 de março de 2023, à Capela Santo Inácio.

 

Maiara Miguel é Professora de Ensino Religioso do Colégio dos Jesuítas e Doutora em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora