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Desafios digitais: a politização da juventude e a educação inaciana

 

Certa vez, quando comecei a lecionar Geografia e atualidades para estudantes que se preparavam para o Enem, um estudante disse-me que não gostava de política. Não queria saber absolutamente nada do que se passava em seu país, pois estava desacreditado. Na mesma aula, contudo, o mesmo estudante demonstrou que acompanhava uma série de influenciadores digitais por meio de canais do Youtube, pois gostava da opinião destes indivíduos sobre a sociedade. Naquele tempo, tratava-se, justamente, de influenciadores que faziam, esporadicamente, análises sobre a política brasileira. O estudante estava, para minha surpresa, informando-se sobre exatamente aquilo que dizia não gostar de se informar. Mas como ele estava se informando? Que tipo de politização é essa?

 

Neste ano, a socióloga Esther Solano conduziu, em  quatro países – Brasil, Argentina, Colômbia e México -, um vasto estudo sobre a politização dos jovens na atualidade. Intitulada “Juventude e Democracia na América Latina”, a investigação permitiu concluir: a juventude está se afastando de abordagens mais tradicionais sobre política. Ela dá atenção aos influenciadores digitais que, mais sutilmente, fazem análises sobre o cenário político. Há uma rejeição às tentativas abertas de se discutir este ou aquele candidato. Há uma rejeição às investidas diretas de “politização do público”. Os jovens valorizam e escutam os influenciadores que apresentam mensagens políticas de forma incidental.

 

Interessante notar que um dos canais não tradicionais por meio dos quais os jovens se politizam, segundo o estudo, são, além das redes sociais, os jogos online. Enquanto jogam, os jovens fazem circular suas opiniões sobre as “polêmicas do dia”. Logo, há uma clara tendência: apesar de estarem em processo de alienação em relação às abordagens da política tradicional, eles estão se politizando por canais alternativos, como tiktokers, podcasters, gamers, maquiadoras nas redes etc.

 

Uma das consequências dessa realidade, aponta o estudo, é que as linhas entre fatos e opiniões começam a se embaralhar. Os jovens apresentam dificuldades em diferenciar as duas, pois consomem as reações e comentários de seus influenciadores favoritos. Essa fonte de informação tende a produzir interpretações mais simplistas, reduzindo a realidade política ao campo das opiniões e, consequentemente, reforçando as polarizações.

 

Um dos esforços da pedagogia inaciana, segundo o padre Luiz Fernando Klein, em Pedagogia Inaciana: sua origem espiritual e configuração personalizada, é o da formação de pessoas lúcidas, que saibam aplicar conteúdos, competências, habilidades.    Para isso, explica-nos o autor, é preciso que saibam interpretar o mundo de hoje para construírem sua própria liberdade e autonomia, solidarizando-se com os demais. Observemos como a proposta da pedagogia inaciana é atual: precisamos nos preocupar com a interpretação do mundo para a formação de pessoas livres e autônomas. Como perseguir nossa missão inaciana diante de um mundo digital que se descortina com novas tendências?

 

A maneira pela qual a juventude lê o mundo está em acelerado processo de mudança. O desafio está lançado, ou seja, a educação e os educadores precisam mudar juntos. O cenário de mudança é também um cenário de oportunidades: oportunidade de nos reinventarmos. Como convida-nos José Saramago, “É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”. Como educadores, é preciso sairmos de nós mesmos para navegarmos neste oceano de novas interpretações de mundo.

 

 

Prof. Filipe Queiroz de Campos