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Histórias do Pe. Cabada, SJ: o encanto infantil em “A boneca de pano”

Leia a narrativa criada e contada por Pe. Cabada, SJ, sobre a relação entre uma menina e sua boneca

 

 

A boneca de pano

 

Sete anos pintaram seu rosto com as cores do arco-íris. Sorriso branco em moldura vermelha, cabelo loiro num revérbero de luz de ouro como a cauda de um cometa. Cheia de vida como o broto primaveril de uma roseira.

 

Isabel. Uma boneca de carne ninando uma boneca de pano.

 

A beleza de Isabel parecia destoar na miséria do bairro pobre e sujo. A formosura parece monopólio dos palacetes e mansões, dos apartamentos de luxo e das coberturas, como o são também as flores dos jardins cercados de cuidados. Mas não brotam, também, longe desses sofisticados jardins, os talos delicados de lindas flores?

 

Isabel, sentada no chão, acariciava a boneca de pano, boneca sem olhos, sem pernas, sem braços, e depositava nela todo o carinho de sua maternidade latente.

– Mãe! Lalá tá doentinha!

 

A mãe de Isabel surgiu na porta com o rosto aceso de soprar o fogo difícil da cozinha, que não queria queimar os galhos meio verdes, substitutos do gás.

– Esta noite ela melhora. Você vai ver!

 

E, sorridente, mergulhou de novo no barraco. Ela, que estava preocupada pela pouca comida, pela pouca roupa, pelo marido que estava para chegar, pelo cansaço que ele sempre trazia da fábrica de poltronas onde trabalhava… Quantas coisas, Senhor, podem preocupar uma mãe ao mesmo tempo!

 

Isabel também estava preocupada com a doença da boneca, porque brincava de ser mãe!

 

O marido chegou. Morto do cansaço de fazer poltronas para os outros descansarem. Derrubou-se, sem falar, sobre uma cadeira que rangeu ao sentir seu peso.

– Pai! Lalá está doente! – gritou Isabel ao vê-lo.

 

No seu cansaço, não teve dificuldade ao tirar forças para sentá-la nos seus joelhos. Sentiu-se mais descansado. “Talvez” — pensou — o descanso não estivesse nas poltronas que ele construía. Também o peso de Isabel descansa!”.

– Vou comprar-lhe uma boneca linda. — prometeu — Uma boneca que ande, com um vestido bonito, com braços, pernas, olhos…

– Não! Eu quero Lalá!

– Mas ela está doente!

– Eu quero Lalá!

– Por quê?

– Porque ela é minha. Nasceu aqui…

 

O Sol já estava longe, detrás do horizonte, e milhares de luzes na cidade brincavam de Sóis na noite misteriosa. Um grande Sol ilumina o dia, mas também as pequenas lâmpadas enchiam a cidade de luz.

 

O pai não respondeu.

Sentia seu coração inundar-se de felicidade. Da felicidade das coisas pequenas que enchem uma vida como as estrelas enchem a noite sem deixar saudades do Sol. Como a boneca de pano, sem olhos, sem pernas, sem braços, era a felicidade de Isabel.

 

E começou a rir, sem saber por quê, à toa… como riem as estrelas… e as crianças…

 

 

Pe. Cabada, SJ