Eu tinha 25 anos. Meu vovô tinha 81. No café da tarde, em um domingo chuvoso, ele tomou um gole de café. Bateu o copo na mesa e disse “eu não acredito que o homem foi na Lua”. Pronto. A partir daquela frase, meu tio, minha mãe, meu pai e eu passaríamos o resto do dia tentando provar que ele estava errado. Eu entendo meu avô. O feito de fazer o ser humano pisar na Lua tem algo de misterioso. Esse mistério, contudo, não é apenas pisar na Lua. É a própria natureza humana.
Mais de 563 pessoas já saíram do planeta, de acordo com a Nasa. Ir ao espaço é perigoso e caro, então por que mandar pessoas para lá? Porque a conquista do espaço sideral é apenas uma extensão da disputa pela conquista de qualquer espaço, e a conquista do espaço, milímetro a milímetro, teve seu mais intenso episódio durante a chamada Guerra Fria.
Naquela época, qualquer avanço tecnológico que permitisse fazer uma arma nuclear atravessar os oceanos seria considerada o mais decisivo avanço político. De repente, em 1957, a União Soviética fez orbitar, pelo planeta Terra, o primeiro objeto inimigo que espiou os segredos americanos: um satélite artificial. Ali, uma nova espécie de corrida se iniciava: a corrida pelo espaço sideral, que se tornou o novo tabuleiro da geopolítica.
O temor de que a URSS dominasse o espaço tornou-se o pesadelo do american dream. Em 1961, o carismático astronauta soviético Yuri Gagarin viajou pela órbita do planeta e retornou em segurança. Os EUA estavam contagiados pela frenética ânsia de ultrapassar esse feito. O presidente John Kennedy anunciou, então, o mais impressionante objetivo: os EUA levariam o homem à Lua. As adversidades foram implacáveis: Kennedy foi assassinado, havia a Guerra do Vietnã, a URSS enviou a primeira mulher ao espaço. Ainda assim, o projeto Apollo 8, com um foguete que pesava mais de três milhões de quilos, alcançou a primeira vitória: circundou a Lua e voltou para casa.
Foi assim, que, após todos os mais incríveis esforços humanos, em 20 de julho de 1969, o voo sideral da nave Apollo 11 alcançou a Lua, e Neil Armstrong deu “um pequeno salto para o homem, mas um grande salto para a humanidade”.
Essa missão foi e é um espetáculo grandioso, mas não deve ser vista fora de seu contexto. Apollo 11 é, sobretudo, um espetáculo da corrida humana contra seus próprios limites interpretada por dois atores, EUA e URSS, no grande palco do mundo bipolar. Ainda assim, o contexto da Guerra Fria não é capaz de explicar como o homem foi capaz de chegar à Lua. O homem também alcançou o mais alto dos montes, os mais longínquos oceanos e a mais desafiadora vacina contra um vírus mortal. Tecnicamente, chegamos à Lua devido aos avanços do foguete. Não obstante, há algo mais misterioso, mais profundo e mais filosófico que isso. Há a natureza humana.
Apollo 11 é sobre quem somos como espécie. Somos transumantes. Somos pais, filhos, netos e bisnetos de imigrantes, nós não somos daqui ou de lá: somos filhos daquilo que queremos alcançar. Somos uma espécie incrível, porque construímos nossa própria realidade. Saber se reinventar é o poder da humanidade. Somos uma espécie em viagem. Não temos residência, apenas bagagem. Nossa bagagem é diferente de qualquer animal. Nossa bagagem é a vontade de superar a nós mesmos. Como diria Einstein: “há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade”. Temos essa estranha vontade de vitória. Queremos a vitória mais bela possível: seja a vacina, seja pisar na Lua. Qual é a vitória mais bela? Santo Inácio responde-nos “a vitória mais bela que se pode alcançar é vencer a si mesmo.” Por isso, Apollo 11 é feito tão importante. É mais um episódio de nossa jornada estonteante rumo a quem realmente somos.
Por Filipe Queiroz de Campos
Assessor de Área – Ciências Humanas