Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva

No Dia Nacional de Luta pela Educação Inclusiva, 14 de abril, trago a entrevista, ou melhor, o bate-papo, com a Mariana Rosa, mulher mineira, potente, com uma fala própria e assertiva, pois a propriedade do assunto vem da vivência. Mariana é uma mulher com deficiência visual, educadora, jornalista e integrante do Coletivo Helen Keller, é uma referência como ativista pelos direitos das pessoas com deficiência, além de ser a mãe da Alice, que teve paralisia cerebral. E, como ela mesmo diz, “não necessariamente nessa ordem.”

 

Mari é uma pessoa que nos abraça, abraça as causas, nos acolhe e é sempre muito gentil, com sua voz doce, que ecoa pelos caminhos da inclusão (não só escolar, mas em todos os caminhos), sempre agrega muito, mas não se engane com a doçura, pois essa mulher tem uma força e uma energia admiráveis! Conviver com ela é um presente que a inclusão me proporcionou, por isso, venho, prazerosamente, partilhar as palavras que escuto, não só nesse bate-papo, mas diariamente, e que se tornaram lema na Educação Inclusiva, Mudar a escola, não mudar de escola, trazendo a possibilidade de serem construídos ambientes escolares mais inclusivos, que reconheçam as diferenças e acolham a todas e todos.

 

Melissa – Existem alguns dispositivos legais que garantem a entrada e permanência do estudante com deficiência na escola regular de ensino, como a Constituição Federal de 1988 (Art. 206), a Convenção a respeito dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Art. 24) e a Lei Brasileira de Inclusão (Art. 27). O ano passado foi bem controverso para a educação, muitas foram as discordâncias em função de questões que trouxeram a segregação escolar. Como você vê o ano de 2020 para a Educação Inclusiva?

 

Mariana – O ano era 2020 e ainda havia quem pensasse que inclusão era a ação tomada por um grupo pré-estabelecido em relação às pessoas com deficiência. Ainda há quem acredite que é possível categorizar e classificar os humanos que somos a partir de determinados critérios. Ainda há quem defenda que educação inclusiva é aquela concebida estritamente para incorporar os estudantes com deficiência às escolas regulares. São esses pressupostos, somados a interesses econômicos, que desembocaram na segregação escolar da pessoa com deficiência.

No lugar das instituições especializadas, as quais não podemos chamar de escolas, vieram as reivindicações em torno dos direitos humanos e da afirmação da diferença que nos compõe – a todos e a cada um. Direitos ainda frágeis para as pessoas com deficiência, posto que temos consolidada experiência em segregar e excluir, mas somos iniciantes nos ensaios de convivência com equidade e alteridade.

Nesse contexto, algumas perguntas se fazem necessárias: quais as implicações políticas do que se entende por diversidade, diferença e identidade? Quem define o que é o corpo certo, e o que é o desvio? Quem arbitra sobre os critérios que fazem da escola um lugar para uns, e não para outros? Qual é a norma que organiza o currículo escolar? Quais as suas implicações? Qual é, afinal, o mandato da Educação? Debruçarmo-nos sobre essas perguntas é nosso dever de casa, do contrário, abraçaremos o retrocesso pela conveniente e nefasta ausência de crítica.

Imagem: Reprodução instagram Mariana Rosa

 

Melissa – A diversidade é importante para a construção da identidade de toda sociedade, isso é um fato. Isso ajuda no desenvolvimento do respeito, que é um direito. Ele é fundamental para preservar a identidade, os valores e crenças dos indivíduos, e essencial para garantir a dignidade das crianças e adolescentes, na construção de um mundo mais justo e inclusivo. Como você considera o respeito à diversidade no mundo atual?

 

Mariana – Os conceitos de diversidade, diferença e identidade são resultados das disputas de poder. Dito de outro modo, essas categorias não são dados da natureza, não são essências que aguardam nossa descoberta, ação benevolente ou tolerância. Ao contrário, são social e culturalmente produzidas a partir de um campo de forças de interpretações e interesses. “A identidade e a diferença não são simplesmente definidas; elas são impostas. As classes nas quais o mundo social é dividido não são simples agrupamentos simétricos. Dividir e classificar significa, neste caso, também hierarquizar”, ensina-nos Tomaz Tadeu da Silva. Assim, quando um governo julga deter o privilégio de classificar estudantes a partir do critério da deficiência e sugerir encaminhamentos a locais segregados em razão disso, está exercendo o poder de atribuir diferentes valores às pessoas, bem como de levar adiante instrumentos de dominação e controle.

Os retrocessos permitem que uma determinada identidade seja fixada como norma – o normal – e aquelas que dela se distanciam são compreendidas como o desvio – o especial. A “bola da vez” é a deficiência, mas a arbitrariedade deste critério de classificação de humanos nos indica que o mesmo poderia se dar a partir de qualquer outro critério: a cor da pele, o gênero, a religião, a classe social… Todas elas, estratégias de segregação, que também já conhecemos no passado. O que nos garante que não serão retomadas como se novas fossem? Mais do que isso, como se fossem razoáveis?

 

Melissa – Muitas são as ideias, os conceitos a respeito de uma efetiva Educação Inclusiva. Como você entende que seria um sistema educacional brasileiro realmente inclusivo?

 

Mariana – É preciso questionar a eleição de uma identidade como a norma a partir da qual as demais são hierarquizadas e avaliadas. Habituamo-nos a considerar normal que as pessoas se expressem oralmente, por exemplo, de tal modo que aquelas que se comunicam por outras vias são consideradas desvios, excepcionalidades. Mais do que isso, há uma compreensão hegemônica de que falar é o melhor modo de comunicação, e a ele atribuímos uma série de características positivas, enquanto a comunicação que se dá por outras possibilidades é percebida como ausência da fala, como negativa, como empecilho. Falar é considerado, portanto, normal, natural, desejável, e isso tem tamanha força que a oralidade não é vista como uma das formas de comunicação, mas simplesmente como A comunicação.

Por isso, levar adiante a educação inclusiva significa conceber um sistema educacional que não classifica, nem hierarquiza pessoas, pois reconhece a diferença como a norma a partir da qual tudo se organiza. Ou seja, investe em uma escola não para um determinado grupo de alunos, mas para todos eles, cada um em suas particularidades. Pressupõe compreender a deficiência como um modo de vida tão singular quanto qualquer outro e, por isso, assegura acessibilidade e tecnologias assistivas como direitos inegociáveis. Requer abandonar a ideia do aluno universal, estanque repetidor do que o professor enuncia, para abraçar o aluno real, único e em permanente mudança. Demanda que professor e aluno colaborem um com o outro para anunciar novos e múltiplos jeitos de ensinar e de aprender, em comunidade. Impõe a necessidade de acolher os diversos tempos e modos de aprendizagem, o que solicita um outro desenho para a sala de aula, que não esse que se aproxima de uma linha de produção fabril. Exige que os professores sejam reconhecidos e valorizados, que a gestão democrática seja premissa de trabalho da escola. Levar adiante a educação inclusiva requer, portanto, mudar a escola, e não mudar de escola, e assumir tal processo como um modo de nos comprometermos com as bases de alteridade e justiça para criar o mundo em que queremos viver. Um mundo em que já não cabem as relações de poder de uns sobre os outros, mas o poder que emana da paridade, das relações de uns com os outros.

 

 

Por Melissa Martins

Agente na Formação Cristã