O Vinte de Novembro de Cada Dia

 

O 20 de novembro, mais uma vez, trouxe consigo a oportunidade de (re)pensarmos o nosso país e sua permanente construção. Momento para lembrar da importância de refletir sobre os lugares do negro na sociedade brasileira, também construída por gerações de afro-brasileiros desde a colonização portuguesa que, marcada pela escravidão, impôs violência, dor e diversas formas de preconceito ainda presentes nas relações étnico raciais no Brasil.

 

A data foi estabelecida no Calendário Escolar Nacional pelo projeto Lei n.º 10.639 apresentado ao plenário da Câmara no dia 9 de janeiro de 2003 e aprovado em sessão conjunta com o Senado em 17 de abril de 2008, alterando assim a LDB. No entanto, o 20 de novembro como “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra” foi estabelecido no Calendário Nacional Brasileiro com a sanção da Lei 12.519 em 10 de novembro de 2011.

 

A escolha do dia da morte de Zumbi, um dos líderes do Quilombo dos Palmares, como marco simbólico teve início em 1978 por ação dos integrantes do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU), em um congresso realizado na cidade de São Paulo. Zumbi, desta forma, era eleito como um herói e símbolo dos negros no Brasil, bem como da luta contra a discriminação racial e por direitos reivindicados pela população afro-brasileira contemporânea.

 

A Consciência Negra é uma expressão que designa a percepção histórica e cultural que os negros têm de si mesmos. Também representa a luta dos negros contra a discriminação racial e a desigualdade social decorrente de um sistema escravagista que culturalmente promoveu a desumanização dos negros por quase quatro séculos. Sendo assim, a sociedade brasileira naturalizou um vasto elenco de afirmações que valorizam a branquitude e depreciam a negritude.

 

Por mais que tenham ocorrido mudanças na legislação brasileira que visam à diminuição das desigualdades raciais, a falta de oportunidades para a população negra, o racismo cotidiano e as tentativas de apagamento de cultura africana evidenciam que ainda há muito a ser feito. É disso que trata o Dia da Consciência Negra! Ao relembrar a luta dos africanos escravizados no passado, ele reforça a importância da continuidade das ações a favor da promoção de relações étnico-raciais mais justas e solidárias para a construção de uma sociedade sem racismos e preconceitos.

 

Inúmeras pesquisas acadêmicas e governamentais sobre o tema têm sido realizadas nos últimos anos, e alguns indicativos podem nos ajudar a entender o problema da desigualdade racial no Brasil. Segundo pesquisa realizada pelo Poder Legislativo Federal, no último pleito eleitoral em 2018, somente 4% dos políticos eleitos para o Parlamento autodeclaram-se negros. A pesquisa indicou que, entre deputados distritais, estaduais, federais e senadores, somente 65 dos 1626 eleitos declaravam-se negros, revelando a pequena representatividade política da população afro-brasileira nos legislativos estaduais e nacional.

 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) 2018 do IBGE aponta que cerca de 55,8% da população autodeclara-se preta ou parda, mas, apesar de serem a maioria da população, a renda dos brancos é 74% maior que a dos negros. Os negros são maioria entre os mais pobres, 75%, e são a maioria na população carcerária. A pesquisa também demostra que no mercado de trabalho a renda média dos negros é aproximadamente R$ 1.500, a renda média dos brancos é de aproximadamente R$ 2.800 reais. O desemprego também aflige mais à população negra, que totaliza mais de 60% dos desempregados.

 

Adalmir Leonídio, coordenador do Observatório da Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais da USP, aponta para o fato de que os negros são mais condenados que os brancos quando são processados por posse de drogas. Entretanto, paradoxalmente, eles são apreendidos com doses menores de substâncias ilícitas em relação a condenados brancos. Não só a justiça demonstra ser mais rigorosa contra os negros, mas a polícia também, uma vez que 76% dos mortos pela polícia são negros. O racismo está impregnado na nossa cultura e se manifesta também no vocabulário por meio de expressões como “a cor do pecado”, “denegrir”, “mulato”, “cabelo ruim”, entre outras tantas.

 

Identificar e dialogar sobre os problemas que são geradores e decorrentes das desigualdades raciais no Brasil abriu caminho para a formulação e execução de políticas afirmativas de inclusão socioeconômica e de combate aos preconceitos. Um exemplo disso foi a lei que estabelece as cotas raciais para a entrada de estudantes nas universidades públicas e a lei que criminaliza as práticas racistas. Contudo ainda há muito por fazer. A presença pioneira do 20 de novembro no calendário escolar e, posteriormente, no calendário nacional contribui para manter viva a história das lutas e conquistas do povo negro, assim como nos impõe a necessária reflexão sobre as violências, exclusões e discriminações ainda praticadas contra a população afro-brasileira.

 

Fontes:
Lei 10.639 – https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10639-9-janeiro-2003-493157-publicacaooriginal-1-pl.html
Lei 12.519 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12519.htm
PNAD https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios.html?=&t=o-que-e
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/brancos-tem-renda-74-superior-a-de-pretos-e-pardos-diz-ibge.shtml
LEONÍDIO, Adalmir. Apontamentos para a compreensão do conservadorismo jurídico-penal no Brasil. Brasília, 2018, p. 427.

 

Por Pedro Gabriel Pereira

Professor

Especialista em História e Cultura Africana e Afro-brasileira

O Dia da Consciência Negra

 

No sábado foi celebrado o Dia da Consciência Negra. O 20 de novembro foi a data escolhida por ser o dia em que Zumbi, último líder do Quilombo dos Palmares, foi assassinado no ano de 1695.

 

Convido você a fazer uma viagem pelo tempo. Brasil, século XVII. A escravidão de africanos e afrodescendentes era permitida pelos governantes. Neste contexto, os quilombos eram lugares de refúgio para os escravizados. O mais importante de todos ficava na região da Serra da Barriga, na então capitania de Pernambuco. Era o Quilombo dos Palmares, área hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado de Alagoas.

 

O Quilombo dos Palmares conseguiu se contrapor por, aproximadamente, um século, às investidas de colonizadores europeus e seus representantes, tornando-se um símbolo da resistência dos escravizados. Um dos líderes de Palmares foi Zumbi, que era brasileiro e nasceu liberto, mas foi escravizado na infância e conseguiu fugir na juventude.

 

Assim, as figuras de Zumbi e do Quilombo dos Palmares foram resgatadas por integrantes do movimento negro. A ideia da celebração no dia 20 de novembro foi impulsionada por um grupo de jovens negros que se reuniam em Porto Alegre na década de 1970.

 

A data entrou para o currículo escolar no ano de 2003. Em 2011 foi criado oficialmente o Dia de Zumbi e da Consciência Negra, instituído pela Lei Nº 12.519, de 10 de novembro de 2011.

 

Atualmente, o Dia da Consciência Negra é feriado em cinco estados e mais de mil municípios. Um projeto de lei aprovado no Senado Federal em agosto de 2021 (PLS 482/2017) determina a criação do feriado nacional do Dia de Zumbi e da Consciência Negra. A proposta ainda precisa passar por votação no plenário da Câmara dos Deputados.

 

Esta é uma data que deve ser celebrada e, também, servir como um momento de reflexão para a luta antirracista. A escravidão foi abolida em 1888, mas, ainda hoje, o país e a população negra sofrem com os efeitos de séculos de problemas na estrutura da sociedade.

 

Estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado em 2019, aponta que pretos ou pardos representavam 64,2% da população desocupada no Brasil. Os números também apontam a falta de igualdade na representação política: apenas 27,3% das pessoas eleitas para os cargos de deputados distritais, estaduais, federais e senador eram negras. No mesmo ano, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) mostrou que a população negra correspondia a 56% do total de brasileiros.

 

Existem outras situações em que esses problemas estruturais se mostram presentes. Por isso, a importância de uma data como o Dia da Consciência Negra, para podermos discutir o papel do negro na sociedade e lutarmos contra a desigualdade e o preconceito.

 

Referências:

https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/11/dia-da-consciencia-negra-50-anos-liberdade-conquistada-nao-concedida

 

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/08/23/aprovado-feriado-nacional-pelo-dia-de-zumbi-e-da-consciencia-negra

 

https://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_19.htm

 

https://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_1.htm

 

Por Igor Santos

Assistente de Comunicação