Edgar Morin: O Centenário do Filósofo da Complexidade

 

Em 08/07/1921, nascia em Paris, filho de um casal de judeus espanhóis, Edgar Nahoum, mais tarde Edgar Morin, que viria a se tornar um dos principais pensadores contemporâneos. Formado em Direito, Geografia e História e trabalhando com as áreas de Antropologia, Filosofia e Sociologia, Morin é autor de dezenas de livros, entre os quais se destacam obras como O método, Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência, Os sete saberes fundamentais para a educação do futuro, É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus e Lições de um século de vida.

 

Ao longo do século XX, Morin presenciou e (ou) participou de acontecimentos que abalaram a França e o mundo. Ainda muito jovem, assistiu à escalada do fascismo na Europa e à eclosão da Segunda Guerra Mundial, tendo participado ativamente da resistência francesa à ocupação nazista. Nesse período, adotou o codinome Morin, que viria a se tornar permanente. Mais tarde, vivenciou a grande crise intelectual dos anos 1956-1958 sendo um dos primeiros intelectuais a se opor ao stalinismo. Além disso, participou do movimento contra a guerra da Argélia e pela independência daquele país e analisou os acontecimentos e os desdobramentos culturais das revoltas de maio de 1968, sempre com uma postura atenta e reflexiva. Em 1997, convidado pelo então ministro da educação francesa, Claude Allègre, a presidir um conselho científico que faria sugestões para mudanças no ensino de segundo grau, Morin idealizou e dirigiu as jornadas temáticas, apresentadas na obra A religação dos saberes, cuja proposta fundamental é a realização, no ambiente educacional, de um processo de regeneração humanista fundamentado nos princípios da complexidade e transdisciplinaridade.

 

Membro emérito do Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS), o maior órgão público de pesquisa científica da França e um dos maiores do mundo, Morin continua hoje, aos 100 anos, uma vida de intensa produção intelectual e divulgação de inovadoras ideias, entre elas a da necessidade, nas escolas e universidades, de um curso de conhecimento sobre o próprio conhecimento. Em sua vasta obra, destaca-se a centralidade da temática da complexidade, que aparece em vários de seus escritos. Para ele, somente uma abordagem interdisciplinar e transdisciplinar dos saberes pode proporcionar o adequado entendimento das características da sociedade contemporânea, visto que um ensino baseado em conhecimentos fragmentados e compartimentados não é capaz de gerar a compreensão e, portanto, a capacidade de intervenção consciente em uma realidade marcada por problemas cada vez mais amplos, complexos e inter-relacionados.

 

Nesse sentido, Morin alerta para uma importante questão contemporânea, que é a crise ecológica gerada pela dissociação entre natureza e cultura, entre ser humano e ambiente. Tal crise manifesta-se, entre outros desdobramentos, nas catastróficas consequências do aquecimento global e na emergência de grandes epidemias. Assim, embora se declare surpreendido pelo surgimento da covid-19, Morin retira dela diversas lições. Para ele, a pandemia e seus desdobramentos políticos, econômicos, sociais, ecológicos, nacionais e planetários mostram a necessidade de um projeto de preservação do planeta e humanização da sociedade, que permita a erradicação de duas barbáries contemporâneas, tanto aquela explicitada nas desigualdades, nos racismos e nas xenofobias como a gélida barbárie caracterizada pela exacerbação do individualismo e da indiferença.

 

Assim, cabe reiterar aqui a lição fundamental de Morin: para compreender e intervir de forma consequente na complexa realidade contemporânea, é essencial religar os saberes promovendo o reencontro entre as ciências da natureza e as ciências da cultura. Elogiado pelo papa Francisco por sua dedicação em favor de uma política de civilização por um mundo melhor, Morin está aí, centenário e lúcido, nesses tempos de incertezas e perplexidades em que a sensibilidade, a lucidez, a reflexão complexa e o humanismo presentes em sua obra constituem qualidades mais do que necessárias, imprescindíveis, principalmente no mundo da educação.

 

Por Wanderluce Gonçalves de Paula Gomes

Professor 

O meu quatorze de julho

 

O ano era 1989. A Avenida Paulista estava repleta de pessoas das mais variadas idades e gêneros. Eis que de repente me deparo com um amigo que, em um primeiro instante, me causou espanto. Sua cabeleira cacheada estava dividida e pintada nas três cores da bandeira da França: azul, branco e vermelho. Poderia ser mais uma alucinação daquele que sempre foi um vanguardista na cultura e nos costumes, que havia vivenciado as “loucuras” dos anos 80, como boa parte da juventude envolvida nas diversas políticas que nos rondavam nos círculos acadêmicos e literários. Mas era muito maior a presença dele: estávamos comemorando os 200 anos da Tomada da Bastilha, o início da Revolução Francesa de 1789.

 

São Paulo era uma só! E por que não dizer, o mundo e o Brasil? Para, nós brasileiros, depois de anos de ditadura militar, era momento de reexperimentar a possibilidade de novos ventos, novas possibilidades de vida, de trabalho, de participação política, de poder sonhar com um país diferente. Mas o que o nos levava às ruas naquele 14 de julho de 1989? Quais os sentimentos que afloravam em nós para nos levar a reviver os ideais de uma revolução que mudou os rumos da França e, junto com ela, o mundo?

 

França, 1789, um país assolado no modelo de política absolutista que ainda predominava em toda a Europa. Sob a tutela do “ancien régime”, os reis governavam como deuses. Não havia limites aos seus poderes. A sociedade francesa apresentava-se dividida em três grupos com diferenças muito latentes. Existiam dois grupos de privilegiados: a Nobreza e o Clero. Estes desfrutavam de uma vida de luxo, prestígio político, econômico e social. Colocavam-se acima das regras e das leis. Seus gestos e sua postura denunciavam um descaso para com os milhares de súditos, maioria da população, que viviam à margem da sociedade e de tudo que era necessário para uma vida digna.

 

O governo estava nas mãos da Dinastia dos Bourbon, que reinavam na França há aproximadamente 200 anos. Sob a autoridade de Luís XVI, o país acabou se envolvendo em guerras e conflitos que desgastaram a população e, principalmente, o erário. Os ministros da economia de Luís XVI até que tentaram por diversas vezes implementar mudanças que pudessem promover reformas, a fim de reestruturar a combalida economia francesa. Barrados pela própria estrutura em que viviam, não foram capazes de sequer defender a ideia. Também não foram capazes de perceber que o mundo havia dado uma “girada” e, incapacitados pela miopia social em que estavam, fechavam-se, recolhiam-se em castas para tentarem perpetuar um modelo político-social que já dava sinais de falência.

 

Eram os ventos dos ideais do Iluminismo. Um conjunto de ideias que nasceu do outro lado do canal da Mancha, na Inglaterra, berço de tantas outras mudanças como a Revolução Gloriosa e a Industrial, mas que teve em território francês o seu auge. Os governantes da França do século XVIII não foram capazes de compreender que os ideais de liberdade e igualdade se alastravam e iniciavam a desconstrução de um modelo de sociedade que já não atendia aos anseios de novos e fortes grupos sociais que haviam se formado no seio desta mesma. Lutar contra o autoritarismo, a corrupção, a falta de participação e representatividade política tornou-se sinônimo de renovação e, por que não de revolução?

 

Os ventos do pensamento liberal eram nascidos de uma classe geradora de riquezas, mas limitada por uma estrutura arcaica, já não mais condizente com a modernidade pretendida. A nascente “classe média”, influenciada pelas ideias das Luzes, buscava se afirmar. E esta afirmação não condizia com os obstáculos erguidos pelo “ancien régime”. A individualidade, as liberdades de expressão, de participação, de representatividade, a liberdade econômica já estavam no modo de operar desta nova classe. Derrotar o autoritarismo absolutista era e deveria ser a luta de todos.

 

A passagem de súditos para cidadãos requer sermos reconhecidos com direitos. Os direitos à vida, alimentação, moradia, educação, saúde passam a ser inalienáveis e universais. Não mais de um grupo de privilegiados. A Tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789, foi simbólica. Mas significou muito. Não somente o fim de uma era. Mas o início de uma luta política que nos envolve até os dias atuais. E por todas as pessoas que lutaram e fazem desta lembrança memória de luta, pintemos nossos corações, nossa vida, nas cores da liberdade, igualdade e fraternidade. “Vivre la Révolution”.

 

Por Antonio Carlos Nogueira Coldibeli

Professor